Meu corpo é o caixão da minha alma
Meu caminhar é nada mais que um cortejo fúnebre
Para que viver se o que você é, realmente, é o oposto?
Os golpes que a vida me aflige,
sejam tristezas ou alegrias que não desejo, são as maneiras mais eficazes de se pregar meu paletó
Todas as vezes que me alegro, flores são deixadas na minha lápide,
que a propósito, me designa como devo ser chamado
Assim que uma vida nasce, outra acaba
Em meu cemitério particular,
recebo a visita de uma fraca chuva fina
Por vezes também tenho de encarar as faces de abutres sorrateiros,
que a primeira vista parecem amigáveis,
mas o que bem querem é violar meu caixão e arrancar fora meus órgãos
Chegarão tarde demais,
pois tudo o que restará de mim é o princípio de toda a humanidade
As muitas que são uma
e mesmo assim mantém suas individualidades
Acredita-se que a criação se iniciou sem Ela
Mas também pode-se pensar que foram as responsáveis portoda a criação,
pois Ela é Elas,
e Elas formam Ela
Imagine o casamento entre a luz e a escuridão
O momento na qual os olhos são abertos e a fração que representa seu encerramento
Quem segura pela mão esses momentos dicotômicos distanciados são Elas
Pense no Nada.
Impossível, não?
Pois bem, Elas estão lá,
a cada momento que o Nada primordial em sua mente tenta se preencher de vazio Invejosas por natureza, esperam o momento do primeiro fôlego para perpetuar sua marca indelével
Por acaso pensou que somente suas plantações sofreriam com Elas? Não mais brotarão e florescerão seus sonhos e desejos
Inspire! As absorva!
Expire! As dissemine!
Dez vezes mais suas bênçãos escarlates cairão sobre nossos templos
Ao acordar, ao dormir, ao calar-se...
ao verbo que ainda nem pronunciado foi
Em todos os momentos e em nenhum
Elasandam de mãos dadas com seus irmãos e irmãs,
seja abraçando, seja usando, seja se distanciando
Penso que delas jamais teremos descanso,
mesmo depois de atravessar para o outro lado do mistério
Seja sob, sobre ou perante o olhar de Zeus Erdamo-nas e as passaremos para além do que conhecemos
Talvez, mesmo se sua existência for curta,
seus maus hábitos são longevos,
adquirindo maior contorno e complexidade com o lamentar do aumento pretérito
Será essa torrente de descontentamentos culpa sua?
Será que você se transformou naquilo que transcende o agora, vindo do passado e almejando o futuro?
A única solução é a nulidade,
o vazio primordial
O caminho não é a subtração de partes iguais,
pois o que se busca é aquilo que não se deve buscar
É o não saber o porque
É o não se localizar,
por nunca estar lá
E no momento que se encontra a resposta para Elas, Elas surgem
"Como saber se não existo?"
Existência após existência, preenchendo aquilo que não deveria ser
Até o instante que o agora é insuficiente,
e de braços dados com seu irmão,
o próximo Nada é alcançado,
pois agora Ele existe,
e Elaspassarão a existir
Instalado no mais profundo superficial de todos os seres, lá ele se encontra, sendo na verdade ela.
Você nunca indaga se ela o possui ou se é o contrário. Quem poderá ter construído aquilo que nasceu para somente consumir?
Será que para se alimentar ela esvazia seus alvos?(quando estes estão satisfeitos)
Imagine alguém que é capaz de criar um ponto, e este por sua vez forma outro ponto, e assim segue-se até que todos os pontos formam uma reta.
Então, todas as retas em acordo formam um plano. Estes, por sua vez, formarão um espaço, e ad infinitum se formará um incontável número de dimensões.
Entre um destes momentos está você, ansioso por mais espaços, que por sua vez estão ansiando planos, e estes querem retas, e estas esperam pontos, e estes esperam pontos,
e estes esperam pontos...(ad infinitum)
Preciso de mais, mais, e mais para conseguir mais, mais e mais. Será que devorando-me conseguirei mais de mim?
Assim nasce o desejo daqueles que, não podendo mais esperar em si o que é e será de si, esperam o que será do que não é si.
Milhares de pontos, retas, planos, espaços...(ad infinitum). Todos esperando para formarem mais pontos, retas, planos, espaços...(ad infinitum). Todos para mim!
Este é o único caminho que possuo para existir, que outros deixem de existir para que eu possa me alimentar. Eu sou a ...
Ela veio, e eu não a vi Ela me beijou, e eu não senti Ela me abraçou, e eu tremi
Depois de seu primeiro aperto, eu sangrei
Logo após conhecê-la, convidei-a para jantar
Sem reservas
tudo o que estivesse ao seu alcance
seu seria
Ao final, num rito que transcende meu presente
e se forja além de meu passado,
deixei para homens de fé e para os negociadores de almas
somente os restos de nossa refeição
Quantas famílias chorarão amanhã?
Não me importo,
pois delas Ela também será íntima
Elas abrirão a porta, e Ela irá se fartar
Anoitece cedo dentro de mim
Sozinho, espero logo estar acompanhado
Ela enfim chegou, para nosso último encontro
Dou adeus aos campos escarlates,
alegrando-me de não mais contribuir para sua plantação funérea
Em meu futuro vazio vejo três estrelas,
que nunca brilharão, pois uma caixa opaca e fria
se fechou em meu presente transcedental
Percebo luzes e sombras
e também Ela,
que parte para os braços de outros amantes,
esperando pelo calor de seus corpos